"Hoje, mais do que em qualquer outra altura da história, a humanidade depara-se com uma encruzilhada. Um dos caminhos conduz ao sofrimento e ao desespero. O outro, à extinção total. Rezemos pela sabedoria para escolher correctamente o caminho a seguir." Woody Allen

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14.5.03
 
Hoje fala-se de um dos fenómenos mais curiosos da televisão portuguesa desde que Júlio Isidro conseguiu reunir no mesmo programa um chimpanzé e um papagaio falantes: José Figueiras. Muita gente dirá "lá está ele outra vez sempre a bater no ceguinho" mas sem razão. É verdade que a Inépcia dedicou kapabaites e kapabaites de letras a difamar, injuriar, caluniar, ofender e (inserir mais sinónimos de "dizer umas verdades bem merecidas" aqui) esta figura. É verdade que se disse isto mas águas passadas não trazem cadáveres de Entre-os-Rios, como diz o povo. Atrevo-me a afirmar que, neste momento, o "Escândalos e Boatos" apresentado por Figueiras na SIC é um dos poucos programas de produção nacional a merecer a atenção do teleespectador de gosto refinado. Vamos por partes. "Escândalos e Boatos" começou por ser um meio que a SIC colocou à disposição dos seus funcionários mais mediáticos e massacrados pela imprensa inconsequente para desmentirem todos os rumores que sobre eles circulavam fossem verídicos ou não. E para apresentar tal coisa, nada melhor do que Carlos Cruz, o "Homem-Boato" em pessoa. Dele já se disse que morreu, que tinha uma filha deficiente, que era viciado em cocaína e até que participava em orgias com crianças. Resistindo a tudo, aquele a quem já chamaram "senhor televisão" continua vivo, tem uma filha que não só não é deficiente como já ganhou concursos de beleza, ainda não foi visto a arrumar carros para sustentar o vício e... bom... mudemos de assunto. Quando Cruz "deixou de estar disponível", foi necessário arranjar um substituto até porque a SIC não acaba programas assim de um dia para o outro (quem faz isso é a TVI, nada de confusões). E haverá melhor substituto do que o homem que já substituiu metade dos apresentadores de televisão portugueses noutros tantos programas? Claro que não. José Figueiras logo se apresentou ao serviço sorridente e bem disposto (Dúvida: José Figueiras já foi visto em público de outra forma que não "sorridente e bem disposto"?) pronto para o que desse e viesse. Mas qual será o segredo da versatilidade desta figura ímpar da televisão em Portugal? Arrisco-me a apresentar uma teoria a que chamarei, perdoem-me a presunção, “teoria do saco de plástico vazio.” Como toda a gente sabe, um saco de plástico vazio ajusta-se perfeitamente ao que entendamos colocar lá dentro a não ser que o objecto seja grande demais e o saco acabe por rebentar pelas costuras (ou o que quer que os sacos de plástico tenham no lugar das costuras).

É exactamente assim que funciona o nosso Figueiras. Qual saco vazio, é só um produtor televisivo calejado dizer-lhe qualquer coisa como “ó Figueiras, isto tem de ser divertido e ao mesmo tempo sedutor” e ei-lo de smoking a aplaudir jovens mancebos que são atirados para dentro de uma piscina. “Ó Figueiras, isto é para ser popular e cativante” e ei-lo a apresentar a primeira actuação mundial de Samantha Fox após muitos anos de ausência enquanto vai debitando com mestria os números do totoloto e com os aplausos entusiastas das senhoras do centro de dia da Casa do Povo de Morganholas do Zêzere. E a tal teoria do saco de plástico é tão adequada a este caso específico que, como um saco, se algum sádico se lembrasse de pôr o nosso Figueiras a apresentar um debate subordinado ao tema: “poesia versus prosa-uma abordagem crítica” era vê-lo a rebentar pelas costuras e perder a sanidade mental que todos achamos que nunca teve e a irromper em urros tiroleses de São Bernardo perdido nos Alpes. Em “Escândalos e Boatos”, a abordagem terá sido “Ó Figueiras, olha que isto tem de ser chocante” e ele faz o melhor que pode. É verdade que não é muito mas quem dá o que tem não é obrigado a ser o José Carlos Soares. À sua maneira muito particular, Figueiras faz um excelente trabalho como anfitrião de um programa-choque. Pode não ser subtil mas, hoje em dia, já ninguém tem paciência para subtilezas. O que o público quer é levar com tudo na cara assim de repente para aumentar o efeito. E não há dúvida que é precisamente o que o Zé faz (o Figueiras, não o Soares). No último programa (transmitido ontem, terça-feira) os convidados prometiam. Wanda Stuart, a talentosa mulher de cabelo azul que já teve namorados homossexuais (confuso?), os novos Excesso que vinham desmentir ter espancado um ex-elemento do grupo, aquele senhor preto das “Noites Marcianas” cujo nome agora me escapa (até porque nunca o soube), os destroços naufragados de Florbela Queirós e alguém que foi original ao ponto de escrever um livro sobre sexo (vejam lá se alguém se lembrava de uma coisa destas?).

Permitam que tente descrever um trecho do magnífico momento televisivo a que tive o privilégio de assistir. Começa-se com um diálogo entre o apresentador e o tal senhor das “Noites Marcianas” com questões deste teor: “Ó Daniel (fui informado de que se chamava Daniel), é verdade que tu és o primeiro PRETO a trabalhar na televisão portuguesa?” De notar a palavra “preto” em maiúsculas numa tentativa de captar a entoação dada à palavra, entoação essa que já não se repetiu nas restantes 374 questões que incluíram a mesma palavra mas que, em alguns momentos, eram acompanhadas de um leve gaguejar nervoso e até de uma ou outra substituição por “negro” (chocante mas nem tanto). Já com o autor do livro sobre sexo e Wanda em estúdio, Figueiras pega no livro, que ao que parece era um dicionário de calão sexual, e lê com convicção “Com a cona aos saltos”, naquela que acredito ter sido a primeira vez que tal coisa foi dita na história da televisão lusófona. Quando já tinham sido abordados um terço dos palavrões e expressões obscenas da língua portuguesa e porque o Zé não largava o livro, a produção decide fazer entrar Florbela Queirós, ou o que dela restou, que não deixa passar a oportunidade de protestar contra o abuso do vernáculo no programa e sugerir que se remetam tais conversas para ambientes mais recatados, o que não evitou que, passados alguns minutos, já gargalhasse ao ouvir a pergunta “E a Florbela já comeu linguiça?” e dissesse para quem quisesse ouvir que “comigo tem de ser com martelo e escopro porque isto já está tudo fechado”, afirmação que poderá ser facilmente comprovada, bastando para isso ligar para o número da actriz que passou em rodapé. E que dizer do momento didáctico em prol da educação dos preconceituosos portugueses a respeito da homossexualidade com a sublime frase de Wanda: “Eu até sou mais gay do que muitos dos meus amigos homossexuais... mas no bom sentido, é claro.” Bravo. Quase fez esquecer outras pérolas como “Ó Daniel, por falar em pénis, é verdade o que dizem dos pretos... dos negros?” (Figueiras) ou “Claro que um homem não pode fingir um orgasmo. Aquilo vê-se” (Daniel). São coisas deste nível que ainda me vão fazendo acreditar que temos uma das melhores televisões do mundo.


O outro grande fenómeno da televisão estava mais ou menos à mesma altura a apresentar o seu “Corpo e Alma” no Canal Saúde. Cristina Caras Lindas voltou e está melhor do que nunca com as bochechas empinadas e o nariz retocado. E para todos os que receavam que a diva tivesse perdido o seu talento especial para, entre muitos outros dons, incluir a palavra “solidariedade” frase sim, frase não, fica uma referência breve ao cenário aconchegante, às referências constantes ao programa como “a minha casa”, aos comentários intimistas ou à pianista cega presente num dos programas que vi. Sim. Eu disse “pianista cega.”

Há uns anos, a Inépcia publicou isto: Quanto à própria Cristina Caras Lindas, confessou estar muito feliz com a distinção e profundamente emocionada, quase em lágrimas. "É mais uma prova de que a solidariedade e o amor acabam por compensar. Com o dinheiro do prémio pretendo construir um orfanato, um lar de terceira idade, um centro de apoio a toxicodependentes e fazer uma operação plástica para me tirar este maldito sorriso da cara," afirmou. A realidade a imitar a sátira?