"Hoje, mais do que em qualquer outra altura da história, a humanidade depara-se com uma encruzilhada. Um dos caminhos conduz ao sofrimento e ao desespero. O outro, à extinção total. Rezemos pela sabedoria para escolher correctamente o caminho a seguir." Woody Allen

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7.6.03
 
Ontem, a selecção nacional de futebol (que é treinada por um brasileiro e tem um jogador da mesma nacionalidade, ainda que dupla) jogou com o Paraguai. O próximo jogo será com a Bolívia. Pode parecer que é só futebol mas a coisa vai muito mais longe. Tudo isto são vestígios de uma conspiração velha de décadas cujos mentores parecem estar acima do poder político, visto que os governos mudam, as sensibilidades políticas mudam, mas ela permanece. O seu objectivo consiste em transferir o país para a América do Sul. Não falo de uma transferência física, porque isso seria muito trabalhoso e caro, mas de uma espécie de nomeação de Portugal como membro honorário da grande família sul-americana. E se pensarmos bem, a ideia não é tão disparatada como isso. A Islândia está geograficamente mais perto da América do Norte do que da Europa e isso nunca nos impediu de vermos os islandeses como europeus de pleno direito. Tudo começou na década de setenta quando alguém achou que os portugueses, com a pobreza de espírito que muitas vezes lhe é atribuída, não levariam muito tempo a esquecer a sua nacionalidade e a tornarem-se brasileiros legítimos após um ou dois anos de exibição constante de telenovelas brasileiras em horário nobre. Obviamente, quem assim pensou estava errado e a ideia teve de ser abandonada lá pela 947ª telenovela brasileira exibida sem resultados maiores do que a inclusão no vocabulário nacional de termos como “oi”,“tchau” ou “Cê qué manteiga ou maiônese no sanduichi?”.”
Os benefícios da sulamericanização de Portugal seriam vários. Por um lado, o ego colectivo sairia consideravelmente reforçado. Portugal deixaria de ser o país mais pobre, analfabeto, corrupto e estúpido da Europa Ocidental para passar a ser pobre, analfabeto, corrupto e estúpido de uma forma que se integraria perfeitamente na média do continente e até, talvez, ligeiramente abaixo dessa média em alguns aspectos. Deixaríamos de ser um país obscuro para mais de metade do mundo. Em vez de, sempre que pelo mundo fora se pensa em Portugal, (e partindo do princípio de que haverá alguém que pensa em Portugal nem que seja para planear umas férias baratuchas), o país seja colocado erroneamente algures entre o Peru e o Equador, o que é um transtorno para qualquer português com um mínimo de orgulho pátrio, transformar-se-ia um erro crasso em facto mas com o cuidado de evitar ficar entre o Peru e o Equador que não primam pela boa vizinhança. Como o homem é um animal de hábitos (e o português também o será, logicamente), não teríamos qualquer dificuldade em nos habituarmos à nova localização. O falar brasileiro já nós conhecemos bem e quanto ao resto dos vizinhos (não conto com as Guianas nem com o Suriname), seria como estar rodeado de nuestros hermanos por todo o lado mas com sotaques diferentes. E depois há outro pormenor importante. Quer se queira, quer não, quando se fala em Portugal no estrangeiro, oito em cada dez vezes não será nem pelo mérito dos nossos artistas, pela genialidade dos nossos políticos ou pela nossa rica doçaria. É pelo futebol. É verdade que não somos os únicos países a motivar este fenómeno. Há outros. Por exemplo, o Brasil, o Uruguai, o Paraguai, a Argentina, o Chile, o Equador. É preciso dizer mais alguma coisa?
É. Falta dizer que, abandonado o plano das telenovelas, a conspiração ficou suspensa durante alguns anos. Portugal entrou para a Comunidade Económica Europeia e, ingenuidade suprema, acreditou-se que isso poderia trazer o desenvolvimento esperado desde que um funcionário do rei D. João VI responsável pelo tesouro decidiu esbanjar a última grama de ouro em charutos, justificando-se com a histórica frase: “Logo se há-de descobrir outro Brasil.” Como é óbvio, o dinheiro da Europa só desenvolveu as viaturas pessoais dos agricultores que trocaram as mulas pelos jipes de tracção às quatro rodas. Recentemente, começou-se a falar no alargamento da Europa a um conjunto de países que, pelas suas características, talvez pudessem permitir aos portugueses deixar de ser os últimos em tudo menos no analfabetismo e noutras coisas agradáveis do género. Puro engano. Sem contar com os países que, tendo saído de regimes totalitários há dez anos, alcançaram já níveis de vida muito próximos do nosso, os outros não nos permitirão decerto ficar muito tempo afastados do fundo da tabela. Daí a nova tentativa de nos sulamericanizar gradualmente.
Começa com coisas muito pequenas. Hoje naturaliza-se o Deco, amanhã põe-se a Fafá de Belém a cantar marchas de Santo António. No dia a seguir, baptiza-se um pavilhão gimnodesportivo com o nome “Diego Maradona,” soltam-se umas quantas centenas de adeptos de futebol fanáticos numa rua e deixa-se que iniciem uma batalha campal, mandam-se uns quantos políticos para o tribunal por corrupção e a coisa lá vai marchando aos poucos... Só agora, ao escrever a última frase me apercebi de que estamos mais avançados do que pensava. E até nem me importo.