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"Hoje, mais do que em qualquer outra altura da história, a humanidade depara-se com uma encruzilhada. Um dos caminhos conduz ao sofrimento e ao desespero. O outro, à extinção total. Rezemos pela sabedoria para escolher correctamente o caminho a seguir."
Woody Allen
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Antiquário
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23.9.03
Há uma instituição nacional que corre perigo. Não é nem a democracia, nem o culto de Nossa Senhora de Fátima, nem o Benfica. Trata-se de algo muito mais precioso. Querem dar-nos cabo do almanaque Borda D'Água! E isso não pode ser. Esta publicação, de seu nome completo "O Verdadeiro Almanaque Borda D'Água," é o mais antigo almanaque em publicação e, para além disso, calculo que seja o único, sendo um autêntico repositório do saber enciclopédico popular. Este ano, como sempre, já se encontra à venda a edição para 2004 deste "reportório útil a toda a gente, contendo todos os dados astronómicos e religiosos e muitas indicações úteis de interesse geral." Folheia-se um exemplar, depois de cortar as páginas e de as coser com linha porque o verdadeiro Borda D'Água não conhece agrafes, e tudo parece igual às edições anteriores. Temos um provérbio por cada mês do ano (por exemplo: "Em Abril sacha e semeia que o céu te abençoa e remedeia"), temos as sempre úteis indicações agrícolas (Quantas pessoas aí sabem que Outrubro é o mês mais favorável à cobrição das porcas? Ou que em Maio se semeiam abóboras, agriões, alfaces, beterraba, cenouras, couves, ervilhas e rabanetes?) e religiosas (Dia 21 de Dezembro é dia de São Pedro Canísio, dia 23 de Maio é dia de Santa Rita de Cássia e feriado municipal em Celorico da Beira). E, hoje em dia, onde se encontram pérolas literárias como esta: "Janeiro é o mês das lavouras das terras e da preparação de todas as culturas de Inverno. Há que preparar as terras para batatal e, onde for possível, iniciar a plantação de batata precoce. Desde que o frio não seja intenso, faz-se a poda de algumas fruteiras mas no que respeita às figueiras, laranjeiras e macieiras os grandes cortes são prejudiciais." Mas há ali qualquer coisa que não está bem. Chega-se à última página, onde tradicionalmente, vem um editorial com o título "Juízo do Ano" e deparamo-nos com o seguinte parágrafo inicial: Sob as asas da potencialidade infinita do Espírito, os segredos de 2004 só no final do ano estarão descobertos, mas faltaríamos ao nosso sagrado dever se não indicássemos os ritmos energéticos das fases e passagens da lua, aspectos planetários, entradas nas estações, signos e elementos, santos e inspiradores dos dias, e alguns provérbios e informações, para melhorarmos as consequências do passado, os modos de vida, práticas e estados de consciência do presente, e os resultados do futuro." Mais adiante, a preocupação inicial intensifica-se. "Representados pelos professores, mestres e as movimentações educacionais, culturais e espirituais, é natural nestas o amadurecimento, e o fortalecimento da ligação individual a Deus, ao Espírito, ou ao mestre interno. Simultaneamente, Jesus e os mestres e profetas doutras tradições são ainda grandes potenciais para a Pax e Unidade, o que uma cartilha ecuménica da Unesco a adoptar nas escolas expandiria." Mas o que vem a ser isto?! Quem é este Pedro Teixeira da Mota que assina o "Juízo do Ano"? De que asilo para loucos da alta obcecados pela religião, astrologia, espiritismo e tudo o que cheire a New Age saiu ele? E por que não o levam de volta para lá e o fecham muito bem fechadinho? Lemos a nota da redacção e lá está a justificação e mais umas linhas de demência. "O Borda D'Água, sob nova orientação, tentará discernir e apresentar, por entre tempos e marés tão mutáveis, não só um calendário temporal, agrícola, cívico e religioso, mas também alguns dos filões milenários da alma portuguesa, enquanto tradição e intuição, que urge preservarmos perante a ameaça de superficialização massificante que a sociedade consumista moderna provoca." Pronto. Já se viu que o tal Pedro Teixeira da Mota é discípulo da Nelly Montserrat, com simpatias pelo oráculo de Bellini e estágio com o Sôzé, mas alguém o tire da redacção do almanaque (partindo do princípio de que o Borda D'Água tem uma redacção-alguma coisa deve ter) antes que seja altura de editar o de 2005. Ou então, prevejo uma catástrofe como nunca se viu neste país. Os agricultores que sempre confiaram no Borda D'Água para levar a bom termo as suas colheitas vão deixar de o comprar e, então, vamos ter o centeio semeado em Abril, os tomateiros em Dezembro ou pior! Evite-se a calamidade enquanto é tempo! |